quinta-feira, janeiro 26

O mais antigo tratado de Xadrez da Europa

PORTUGAL a 26 de julho de 1139 transforma-se num estado independente pela aclamação do seu primeiro Rei D. Afonso Henriques (fundador da 1ª Dinastia Portuguesa, hereditária da dinastia de Borgonha, reinou de 1139 a 1185). Porém, as fronteiras de Portugal só foram fixadas a 12 de setembro de 1297, no tratado de Alcanizes entre D. Dinis de Portugal (Dinastia Afonsina – 6º Rei de 1279 a 1325) e D. Fernando IV de Castela e Leão (4º Rei da Coroa de Castela e Leão de 1295 a 1312).

Para compreendermos esta mobilidade de fronteiras durante um período tão lato, temos que recordar a presença dos Mouros entre nós.

Batalha de Guadalete 711| Créditos https://pt.wikipedia.org
A invasão islâmica da península inicia-se no ano 711 da nossa era, com vitória mourisca da batalha de Guadalete (região de Cádiz, sul de Espanha) sobre o povo que então dominava a península Ibérica, os Visigodos.  Os Mouros mantiveram-se na península Ibérica até ao ano de 1492. A 2 de janeiro desse ano os Reis Católicos (D. Isabel de Castela e D. Fernando II de Aragão) impõe a rendição e expulsão do Rei Mourisco, que governava o Reino de Granada, e sua hoste.
Rendição de Granada 1492| Créditos https://pt.wikipedia.org

Explicada a razão da dificuldade de fixação de fronteiras dos estados que compunham a península Ibérica interessa agora focar-nos na influência que mouros, cristãos e judeus tiveram para riqueza cultural e cientifica do século XIII [Para os interessados neste assunto recomenda-se a leitura do romance histórico A Escrava de Córdova, de Alberto Santos]. Salienta-se o período em que governava em Castela e Leão, o avô do nosso rei D. Dinis, D. Afonso X (2º Rei da Coroa de Castela e Leão de 1252 a 1284), o Sábio.

O período medieval é por todos historiadores reconhecido como um período de estagnação cultural, científica e social. Porém, D. Afonso X é um Rei atento e muito avançado para a sua época. Ele reconhece e valoriza a cultura e o conhecimento na posse da comunidade árabe da península e esforça-se por o por à disposição de todos. Com esse objectivo funda em Toledo, sua cidade natal, uma Escola de Tradutores. Nesta instituição trabalham conjuntamente cristãos, judeus e árabes para traduzirem para as línguas ocidentais as obras de referencia dos árabes em diversas áreas do saber. Também o próprio monarca se envolveu neste ambiente erudito e escreveu as suas próprias obras. Obras essas muito representativas do nível cultural e cientifico da época.

páginas do Libro de los Juegos (1283) - autor Afonso X| Créditos https://pt.wikipedia.org
Neste contexto, foi terminado em 1283, em Sevilha a obra “Libro de los Juegos” da autoria de Afonso X. Esta é uma obra única e ímpar no contexto do xadrez europeu. Embora este livro seja maioritariamente dedicado ao xadrez, também contém outros jogos de tabuleiros dessa época. O livro que nos dias de hoje está guardado no Convento do Escorial, próximo de Madrid, possui ricas ilustrações, cerca de 150 iluminuras com mais de 100 problemas de xadrez. As iluminuras representam de forma complementar aos problemas de xadrez, na cercadura dos diagramas algumas personagens da época, entre estas o próprio Rei Afonso X, a Rainha Violant, a Princesa Beatriz (que veria a ser Rainha de Portugal por casamento com o nosso Rei Afonso III) e outros elementos da corte. Muitas destas iluminuras ainda são nos dias de hoje objecto de estudo. Nestas, além da riqueza de pormenores artísticos, releva-se no contexto deste blog, a explicação das peças que compunham o xadrez à época e os seus especiais movimentos; alguns muito diversos dos actuais.
Capa de "O Livro de Jogos de Afonso X, o Sábio" da autoria de Jorge Nuno Silva| Créditos http://apenas-livros.com/pagina/a_outra_apenas?id=524
Esta obra pode agora (desde 2013) ser encontrada na sua versão em português, devido a um trabalho rigoroso de tradução e adaptação realizado pela equipa do Prof. Doutor Jorge Nuno Silva da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa: “O Livro de Jogos de Afonso X, o Sábio”. Esta obra é um excelente trabalho, que apresenta todas as iluminuras originais com elevada qualidade, pelo que se recomendo a todos os xadrezistas. Possivelmente, atendendo à reduzida dimensão do mercado português, nesta primeira edição foram impressos apenas 500 exemplares. Se quiserem poderão ler um pequeno resumo da obra, feito pelo autor aqui.